Todos os mapas estão errados?

Inspirado no texto “All mapped out” de Sylvia Morris, da Aquila Magazine (abril de 2020), adaptado por Andrea Sander, Francisco Ferreira de Campos e Patricia Jacques, com revisão de Irinea Barbosa da Silva, Ana Lucia Coelho e Flasleandro Oliveira do Serviço Geológico do Brasil - CPRM

A melhor maneira de olhar para a Terra, supondo que não estamos viajando no espaço, é em um globo, mas isso nem sempre é prático. Os globos são difíceis de carregar no braço, eles não cabem em uma mochila e, se caírem no chão, vão sair rolado por aí, isso se não amassarem. Nesse aspecto mapas de papel são planos e, mesmo que sejam grandes, podem ser dobrados e ficam fáceis de carregar, mas eles também têm desvantagens (Figura 1). Os mapas moldam nossa compreensão do mundo. Esse conhecimento geográfico é mais importante do que nunca, pois vimemos em mundo conectado.

Figura 1 – (A) Imagem da Terra; (B) Mapa-múndi. Fonte: Os autores utilizando o Canva

Imagine tentar cortar um globo e colocá-lo em um pedaço de papel. A primeira coisa que você notará é que é muito difícil. Os pedaços precisam ser esticados para ficarem planos, e isso causa distorções. Na verdade, é impossível um mapa ser 100% preciso. Como um exemplo, veja como é difícil transformar uma bola de futebol esférica, formada por hexágonos e pentágonos, em um plano. Para formar uma figura contínua, como em um mapa, é preciso deformar partes da figura (Figura 2).

Figura 2 – (A) Bola de futebol formada por pentágonos pretos e hexágonos brancos; (B) Bola de futebol “aberta”; (C) Imagem da planificação da bola de futebol onde as setas vermelhas apontam as distorções. Fonte: (A) Istockphoto; (B) Depositphotos; (C) MAP projections explained (2017)

Então quer dizer que todos os mapas em papel têm algum tipo de erro associado?

É isso mesmo! Matemáticos e cartógrafos têm tentado encontrar a melhor maneira de representar a Terra em mapas desde os anos 1500, embora existam mapas muito mais antigos. Não importa o quanto eles se esforcem, alguma distorção sempre acontece. Por uma questão prática usamos projeções de mapas, pois elas são matematicamente organizadas em torno de diferentes regras, mas todas são imperfeitas.

Se todos os mapas são imperfeitos, como eles levam as pessoas aonde elas precisam ir?

Para responder essa pergunta é preciso imaginar um quadriculado sobre o globo terrestre. As linhas de latitude são círculos definidos ao redor do globo, horizontalmente (Figura 3A). Com o Equador bem ao meio, eles informam a que distância em graus você está ao Norte ou ao Sul do planeta contando a partir da linha do Equador. As linhas de longitude são semicírculos que viajam do Polo Norte ao Polo Sul (Figura 3B). Eles indicam a que distância em graus está qualquer ponto da superfície terrestre em relação ao Meridiano de Greenwich (na Inglaterra), uma linha imaginária que separa os hemisférios ocidental e oriental. A partir desta linha imaginária do Meridiano de Greenwich tudo que está à direita (indo em direção à China) é Leste e tudo que está à esquerda (indo em direção às Américas) é Oeste. Se você souber sua latitude e longitude, poderá identificar sua localização com precisão (Figura 3C).

Figura 3 – (A) Latitude; (B) Longitude; (C) Latitude e longitude determinando uma posição. Fonte: Os autores no Canva

Agora imagine que você é o capitão de um navio e escolhe uma direção na bússola para seguir e parte em uma aventura. Se você navegar diretamente para o Norte, Sul, Leste ou Oeste, você irá dar a volta no mundo e retornará ao mesmo ponto onde começou (claro que ignorando toda a terra firme no caminho e o fato de que, às vezes, você vai precisar se desviar dela). Se você navegar em qualquer outra direção da bússola (Sudeste ou Nordeste, por exemplo), você viajará ao redor da Terra em forma de espiral e terminará em um dos polos. Essas linhas são chamadas de linhas de rumo ou loxodromias (Figura 4).

Figura 4 – Linha de rumo ou loxodromia a partir do Polo Norte. Fonte: Eliane Moreira utilizando o Canva

Por mais espirais que sejam essas linhas, para marinheiros e bússolas, elas equivalem a linhas retas. Nos anos 1500, o matemático Pedro Nunes criou uma projeção cartográfica onde todos essas loxodromias fossem desenhadas como linhas retas. Ele encontrou uma solução parcial e algumas décadas depois seu amigo Gerardus Mercator realmente conseguiu que esse tipo de projeção cartográfica funcionasse.

Gerardus Mercator foi um geógrafo, cosmógrafo e cartógrafo de Flandres, na atual Bélgica. A Projeção de Mercator é uma projeção cartográfica do tipo cilíndrica que transforma a Terra, que tem o formato de um geoide, em um mapa plano. Para construir a Projeção de Mercator o globo terrestre é envolvido por uma grade de linhas horizontais e verticais correspondentes à latitude e longitude e também possui linhas retas de loxodromia, para que você possa medir facilmente a orientação da bússola (Figura 5). Esta projeção do mapa ainda é válida quase 500 anos depois da sua criação, mas apenas no que diz respeito à navegação.

Figura 5 – (A) Gerardus Mercator; (B) Projeção cilíndrica utilizada na (C) Projeção de Mercator. Fonte: Os autores utilizando o Canva

As coisas que tornam a Projeção de Mercator útil para navegação também a tornam ruim para outros propósitos. Ela representa bem o formato dos países e dá a direção, mas não preserva o tamanho que cada país tem. Este tipo de mapa é usado em quase todos os lugares, de livros didáticos ao Google Maps, o mapa de projeção Mercator é a forma como a maioria da humanidade reconhece a posição e o tamanho dos continentes da Terra.

Porém este tipo de projeção deforma os verdadeiros tamanhos dos continentes, que se tornam cada vez mais distorcidos à medida que se distanciam do Equador. Tudo perto dos polos fica aumentado e tudo no Equador ou perto dele fica comparativamente diminuído. Veja na Figura 6, onde, em azul claro, estão representados os continentes com seus tamanhos deformados pela Projeção de Mercator e, em azul escuro, se observa o verdadeiro tamanho dos continentes.

Figura 6 – Figura que compara o tamanho dos continentes deformados na Projeção de Mercator (azul claro) e o verdadeiro tamanho dos continentes (azul escuro). Veja essa figura animada em: Visual Capitalist. Fonte: Routley (2021)

Assim, os mapas da Projeção de Mercator fazem com que os países como EUA, Canadá e norte da Europa, pareçam muito maiores do que realmente são, ao mesmo tempo em que encolhe as nações mais próximas ao Equador.

Uma forma de visualizar as distorções dos mapas é utilizando a Indicatriz de Tissot, método criado em 1859 pelo matemático francês Nicolas Auguste Tissot. Para entender como funciona a Indicatriz de Tissot imagine círculos de tamanho idêntico, em intervalos regulares, pintados na superfície do globo terrestre. Ao fazer isso, a Terra vista do espaço ficará como mostrada na Figura 7A. Quando você projeta a superfície da Terra pintada com os círculos em um mapa plano, eles ficam distorcidos, como na Figura 6B. Mas dependendo da projeção do mapa que você escolher, os círculos serão distorcidos de forma diferente. Vamos dar uma olhada na projeção de Mercator associado a Indicatiz de Tissot (Figura 7B):

Figura 7 – (A) Globo terrestre marcado com a Indicatriz de Tissot; (B) Projeção de Mercator marcada com a com a Indicatriz de Tissot. Fonte: Jung (2019)

Será que essa distorção da Projeção de Mercator é tão ruim assim?

Você ficaria surpreso. Por exemplo: na projeção de Mercator a Groenlândia e o Brasil têm quase o mesmo tamanho, mas na verdade a área da Groenlândia é quatro vezes menor do que a do Brasil (Figura 8). Experimente comparar o tamanho dos países na Projeção de Mercator com o seu tamanho real no site The true size of.

Figura 8 – (A) Comparação entre o tamanho da Groenlândia (contorno em vermelho) e o Brasil, que no mapa que utiliza a Projeção de Mercator tem uma distorção que a deixa quatro vezes maior do que é; (B) Comparação entre a América do Sul e o Canadá, Estados Unidos e o México. Fonte: The true size (2022)

A Projeção de Mercator tornou-se muito popular. Até os anos 1900, essa versão da Terra era frequentemente impressa em livros didáticos e pendurada nas salas de aula. Isso preocupou alguns cartógrafos e acadêmicos.

Essa visão do planeta fez as regiões equatoriais parecerem menos importantes do que realmente são?

Algumas sociedades cartográficas, em especial as americanas, ficaram preocupadas com a imprecisão dos mapas retangulares planos, pois os mapas-múndi têm um efeito poderoso e duradouro na percepção das pessoas. Para esses cartógrafos a Projeção de Mercator reforça esse problema e passaram a encorajar o uso de outras projeções retangulares para mapas de uso geral.

O atual mapa-múndi de uso geral, preferido pela National Geographic e por muitos professores de geografia, é conhecido como Projeção de Winkel. Esse mapa, criado por Oswald Winkel, em 1921, atinge um equilíbrio entre tamanho e precisão, com distorção mínima (Figura 9). Ele não preserva os ângulos, então não pode ser usado para navegação, mas isso não é mais um problema, pois hoje utilizamos o GPS e os navios usam satélites para navegar.

Figura 9 – (A) Mapa-múndi na Projeção de Winkel; (B) Mapa-múndi com a Indicatriz de Tissot mostrando a baixa deformação dessa projeção. Fonte: Davies (2017) e Ledermann (2021)

Talvez a melhor maneira de combater o viés que as distorções das projeções podem conferir aos mapas seja manter uma variedade de projeções diferentes ao seu redor, para que você nunca fique preso a apenas uma maneira de pensar. Existem muitos outros tipos de projeções possíveis, como por exemplo, a Projeção Cônica, criada pelo matemático Johann Heinrich Lambert, em 1772, e a Projeção Azimutal que se expande a partir de um único ponto e é útil se você quiser descobrir a que distância qualquer lugar do mundo está a partir desse ponto (Figura 10).

Figura 10 – (A) Projeção Cônica ou de Lambert; (B) Projeção Azimutal. Fonte: o autor utilizando o Canva

Você pode ver os efeitos de quase todas as projeções cartográficas no site Map Projection Transitions. Experimente, é muito divertido (Figura 11).

Figura 11 – Site Map Projection Transitions, que permite muitas possibilidades de testar as diferentes projeções cartográficas exibidas em uma biblioteca. Fonte: Davies (2017)

Mas se você quiser ter o mundo em sua mão, use a Projeção Dymaxion, que foi criada pelo teórico de sistemas Buckminster Fuller em 1943. Essa projeção pode ser dobrada em um icosaedro e é útil para observar como as massas de terra estão conectadas. Baixe a Projeção de Dymaxion (IBGE), monte o seu globo e divirta-se (Figura 12).

Figura 12 – (A) Icosaedro montado da Projeção Dymaxion; (B) Modelo para montar da Projeção Dymaxion. Fonte: IBGE (2022)

Para uma mudança completa na perspectiva, que tal um mapa visto a partir dos polos?

Figura 13 – Projeção na forma de disco aberto, proposta por Gott, Vanderbei e Goldberg, em 2021. Fonte: Figueiredo (2021)

Sim, é estranho. Quase sempre vemos o mundo com o Norte no topo e o Sul na parte inferior. Isso pode ser porque muitos dos primeiros cartógrafos do mundo eram do hemisfério norte, mas um mapa-múndi centrado nos polos não está menos correto. Essa é a forma que o astrofísico Richard Gott, o matemático Robert Vanderbei e o cosmólogo David Goldberg, das universidades de Princeton e Drexel, nos Estados Unidos, encontraram para corrigir quase todas as distorções das projeções anteriores, fazendo em 2021, uma nova proposta de projeção cartográfica.

Você acha que poderia se acostumar a olhar o mundo de outra maneira? Por que você não experimenta e nos conta depois?

Para saber mais e se divertir:


Para assistir no Youtube:


Referências

CANVA. Perth, Austrália, [2022]. Disponível em: https://www.canva.com/pt_br/. Acesso em:18 abr. 2022.

DAVIS, J. Map Projection Transictions. [s.l.]: Jason Davis, [2017]. Disponível em: https://www.jasondavies.com/maps/transition/. Acesso em: 11 abr. 2022.

FIGUEREDO, S. Um planeta sem distorções: físicos propõem a adoção de um novo mapa-múndi. Veja, [on line], ed.2728 10 mar. 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/ciencia/um-planeta-sem-distorcoes-fisicos-propoem-a-adocao-de-um-novo-mapa-mundi. Acesso em: 11 abr. 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE Educa. [Brasília]: IBGE, 2022. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/criancas/brincadeiras-2/19588-icosaedro.html. Acesso em: 11 abr. 2022.

JUNG, T. Compare map projections. [s.l.]: Tobias Jung, 2019. Disponível em: https://map-projections.net/tissot.php. Acesso em: 11 abr. 2022.

LENDERMAN, F. Map projection playground. [s.l.]: Florian Lendermann, 2021. Disponível em: https://observablehq.com/@floledermann/projection-playground. Acesso em: 19 abr. 2021.

MAP projections explained: a beginners guide [s.l.:s.n.], 2017. 1 vídeo (7,36 min) Publicado pelo canal Mango Map. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wlfLW1j05Dg. Acesso em: 18 abr. 2022.

ROUTLEY, N. Mercator Misconceptions: clever map shows the true size of countries [s.l.]: Nick Routley, 2021. Disponível em: https://www.visualcapitalist.com/mercator-map-true-size-of-countries/. Acesso em: 11 abr. 2022.

THE true size. [s.l.:s.n.], 2022. Disponível em: https://www.thetruesize.com/. Acesso em: 11 abr. 2022.