Corais Gemológicos

Adaptação de texto de Pércio de Moraes Branco por Samanta Bittencourt Suprani e Flasleandro Vieira de Oliveira. Revisão de Irinéa Barbosa da Silva.

Denominam-se corais um grupo de animais marinhos primitivos da classe Anthozoa do filo Cnidaria, que surgiu nos mares no período Cambriano, a 541 milhões de anos, em ambientes muito restritos de mares tropicais de águas quentes, acima de 20ºC, e claras, portanto, calmas e rasas com menos de 40 m de profundidade (figura abaixo). Isso torna-os excelentes indicadores das condições ambientais, apontando com clareza a ocorrência de desequilíbrios nas condições do ambiente em que vivem. Pela mesma razão, são indicadores importantes em geologia, pois a existência de corais fósseis em uma rocha mostra que ela se formou em ambiente marinho raso, de águas quentes e calmas.

Recife de corais atual. (Fonte: Plataforma Media, 2022)

Os corais são animais sésseis, isto é, vivem presos ao fundo do mar, como se fossem plantas, formando colônias de grandes dimensões. Os conhecidos como corais de pedra (todos os antozoários, exceto as anêmonas) possuem esqueleto de composição calcária, que ao se agregarem formam os recifes de corais.

Os recifes de corais abrigam cerca de 25% da diversidade marinha do planeta, por isso são conhecidos como as florestas tropicais dos oceanos. Apesar da alta diversidade, caracterizada por aproximadamente 2 milhões de espécies, os recifes de corais cobrem menos de 1% da área dos oceanos (SOUZA, 2020). Os corais têm grande importância na vida marinha porque um grande número de animais vive neles ou neles buscam alimento, além de encontrarem ambiente favorável à reprodução.

O maior desses recifes é a Grande Barreira de Corais localizada em Queensland, na Austrália (figura abaixo), que devido a sua beleza e diversidade ambienta vários filmes, entre eles a animação Procurando Nemo (Pixar Animation Studios e Walt Disney Pictures). Ela é formada por cerca de 2.900 recifes e 300 atóis (recifes circulares), onde vivem 1.500 espécies de peixes, 360 de corais, 5.000 a 8.000 de moluscos, 400 a 500 de algas, 1.330 de crustáceos e mais de 800 de equinodermas (grupo de animais que incluem as estrelas-do-mar e os ouriços-do-mar).

(A) Vista aérea da Grande Barreira de Corais. (B) Vista submarina da Grande Barreira de Corais. (Fonte: (A) Readfearn, 2022; (B) Otieno, 2018)

Os corais são encontrados em mais de 100 países, principalmente na Tailândia, Austrália e Filipinas (figura abaixo). São raros na costa oeste das Américas e na costa oeste da África, devido às correntes marítimas frias dessas regiões. São igualmente escassos no nordeste da América do Sul, pela ação da água doce do Rio Amazonas, e nas costas do Paquistão e de Bangladesh, pela ação das águas do Rio Ganges.

Distribuição mundial dos recifes de corais. (Fonte: National Ocean Service)

No Brasil, há recifes de corais desde o sul da Bahia até o Maranhão, concentrando-se, principalmente, entre Salvador e o Arquipélago de Abrolhos.

Apesar dos recifes de corais serem considerados o ecossistema de maior biodiversidade do mundo, também são um dos mais vulneráveis. Calcula-se que 27% dos recifes de corais existentes já foram degradados de maneira irreversível, e teme-se que 70% do que resta seja destruído nos próximos 50 anos. As principais causas são a pesca predatória e a remoção dos corais para fins ornamentais e para uso como gema. Tal degradação manifesta-se sobretudo pelo fenômeno conhecido como branqueamento dos corais.

Os corais formadores de recifes vivem em simbiose com algas unicelulares conhecidas como zooxantelas. Essa associação permite que eles cresçam num ritmo até 10 vezes mais rápido, e são as zooxantelas que lhes dão as cores vivas que exibem. Entretanto, quando as condições ambientais tornam-se adversas, os corais zooxantelados expelem total ou parcialmente essas algas, ficando esbranquiçados (figura abaixo).

(A) Processo de branqueamento. (B) Corais afetados pelo branqueamento e corais não afetados. (Fonte: (A) DEOLHONOSCORAIS,2022; (B) ONU, 2020)

Esse branqueamento tem ocorrido em larga escala nos últimos 20 anos, embora nem sempre seja completo e nem sempre leve à morte da colônia, isso depende do tempo de duração do desequilíbrio ambiental. São muitos os fatores que levam ao branqueamento, entre eles o excesso de iluminação ou de raios ultravioleta e variações na temperatura da água ou na sua salinidade. Muitos desses corais vivem em águas que estão na temperatura máxima que podem suportar, por isso, a elevação de apenas 1°C pode ser suficiente para causar o branqueamento.

Corais Gemológicos

De acordo com a Confederação Internacional de Joalheria (CIBJO Coral Comission), corais gemológicos ou preciosos ,como os usados em joias, em geral, pertencem ao grupo taxonômico da família Corallidae. Especificamente, eles são do gênero Corallium, Pleurocorallium e Hemicorálio, destacando-se as espécies Corallium nobile, Corallium rubrum, Corallium secundun e Corallium japonicum. O mais apreciado é o vermelho, da espécie Corallium rubrum (figura abaixo).

Apresentam um esqueleto calcário com forma aproximadamente cilíndrica e oca, composto de carbonato de cálcio (87%), carbonato de magnésio (7%) e outras substâncias. Essas espécies, ao contrário dos corais de recifes, têm cor própria em seu esqueleto, e não dependem das zooxantelas para exibir cor.

(A) Colônia de corallium rubrum do Mediterrâneo; (B) Detalhe dos pólipos do corallium rubrum em seu habitat. (Fonte: (A) Camps, 2015; (B) Tarallo)

Diferente dos corais de recifes, os mais afetados pelas mudanças climáticas e pela acidificação dos oceanos, os corais preciosos têm hábitos solitários ou coloniais, crescem em profundidades maiores, tornando-os menos vulneráveis a mudanças na temperatura da água.

Em geral, o coral precioso é localizado e colhido a 50 metros ou mais abaixo da superfície (uma exceção é a colheita de coral mediterrâneo) e pertence a um ecossistema diferente do coral construtor de recifes. O coral precioso, quando pescado dentro da legislação vigente e de forma responsável, não destrói o meio ambiente. As espécies ameaçadas de extinção são protegidas por uma convenção internacional chamada Cites (Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens). O objetivo é garantir que o comércio internacional não ameace a sobrevivência de um animal ou planta selvagem. Dentro da Cites, as espécies são listadas em três apêndices, de acordo com o grau de proteção de que necessitam.

O uso de coral como ornamento tem uma longa e rica história. O coral vermelho foi encontrado em sepulturas neolíticas e há dois mil anos era muito procurado pelos chineses. Os gregos antigos preferiam o coral preto, enquanto em alguns países africanos as contas de coral vermelho significavam riqueza. Para as civilizações antigas, o coral tinha poderes medicinais e como talismã. O uso de corais hoje está mais limitado devido às restrições impostas à exploração, sendo empregado, principalmente, para confecção de camafeus, colares, pulseiras e pequenas esculturas. Pode ser usado também no estado bruto, na confecção de colares ou pulseiras (figura abaixo).

Artefatos feitos com coral (A) Esculturas chinesas em coral com base de marfim, da China, Dinastia Qing, século XIX; (B) Peça japonesa com fragmento de coral decorativo; (C) Colar de fragmentos brutos de coral; (D) Colar de coral de contas lapidadas. (Fonte: (A) CAMBI; (B) Foto Cherry Coral; (C) ISTOCK; (D) ASSAEL)

Propriedades dos Corais Gemológicos

Os esqueletos de corais gemológicos são transparentes a opacos, de cores vermelha, rosa ou laranja (figura abaixo). Podem ter outras cores, como branco, preto, azul, creme ou marrom e estruturas diversas, como nos corais fossilizados.

Peças de coral lapidado: (A) Cravação em forma de flor de coral rosado, chamado Podange ou Angel Skin Coral; (B) Cabochão oval em coral vermelho onde fica evidente a estrutura do coral; (C) Cabochão oval de coral fóssil onde se ressalta a estrutura interna do coral. (Fonte: (A e B) Gem Select; (C) Gemological Collections)

Uma das cores mais apreciadas nos corais são os tons rosados, chamados de Podange (do francês peau d’ange ou pele-de-anjo) ou Angel Skin Coral (figura abaixo). Esse tipo de coral, conhecido no Japão como magai ou bokè, é uma cor anômala devido a um distúrbio semelhante ao albinismo, por isso são extremamente raros em comparação a outros corais preciosos. Às vezes um joalheiro leva décadas para conseguir completar um fio de contas desse tipo de coral, o que justifica os altos preços cobrados por joias com coral pele-de-anjo.

Cabochão de coral gemológico: (A) Variação de cor em cabochões de coral gemológico, do vermelho ao rosa; (B) Anel em coral Podange e diamantes. (Fonte: (A) e (B) Branstrator, 2021)

Os corais negros e dourados, do gênero Antipatharian, são encontrados nas Filipinas e na Indonésia. Eles diferem dos outros corais porque seus esqueletos são compostos de matéria orgânica (semelhante à queratina), e não de carbonato de cálcio (figura abaixo). Embora flexível ao crescer, o material torna-se rígido após a pesca O coral azul ou Heliopora coerulea é encontrado na região do Indo-Pacífico e na Grande Barreira de Corais. É um coral de recife com esqueleto de aragonita azul - um dos dois únicos corais de recife com um esqueleto colorido, cuja cor não depende das zooxantelas, e tem uma forma massiva em vez de uma árvore (Figura 9). É coberto por pequenos orifícios nos quais vivem os pólipos.

(A) Coral azul Heliopora coerulea bruto e em contas polidas; (B) Cabochão oval de coral azul; (C) Coral negro Antipatharian leiopathes bruto, em ramo e contas polidas. (Fonte: (A) e (C) The Gemological Association of Great Britain, 2017; (B) Cool Tools)

O coral tem dureza baixa (3,5 a 4,0), densidade 2,60-2,70 g/cm3 e mostra estrias retas ou espiraladas, que servem para diferenciá-lo das imitações, quando estão ainda no estado bruto (figura abaixo). Formam troncos de 20 a 40 cm de altura, com ramificações de até 6 cm de diâmetro. Corais negros podem ser bem maiores, atingindo até 3 m de altura.

(A) Cabochão oval de coral gemológico lapidado e bruto, mostrando a estrutura; (B) Cabochão oval de coral gemológico translúcido, da Indonésia, evidenciando a estrutura. (Fonte: (A) Learning Geology, 2016; (B) Gem Select)

Principais Produtores

Os países que mais produzem coral gemológico são: Tunísia, Argélia, Marrocos, Itália, França e Espanha. Na Espanha, é produzido, principalmente, na Catalunha; em Provença, na Franca; e em Livorno, Nápoles, Gênova e Sardenha, na Itália. Também na Itália está o maior centro de lapidação de coral do mundo, em Torre del Grecco, perto de Nápoles.

Imitações

Por ser uma gema orgânica muito apreciada e de ocorrência bastante restrita, o coral tem sido imitado com o uso de diversas substâncias. As imitações mais comuns são obtidas com jarina (marfim vegetal) colorida artificialmente; borracha misturada com gipsita; pó de mármore misturado com cola e cinábrio ou pó de mínio (tetróxido de chumbo em pó ou zarcão); osso ou chifre coloridos, também por cinábrio; plásticos; vidros e porcelana. Essas substâncias não reagem com ácido clorídrico diluído e a frio, ao contrário do coral verdadeiro, que dá uma efervescência visível sob a ação desse ácido.

Cuidados

Como toda gema orgânica, o coral é pouco resistente e requer cuidados especiais. Joias confeccionadas com coral devem ser mantidas longe do calor intenso, bem como do contato com ácidos em geral, e lavadas com detergente neutro a levemente alcalino. Caso um coral perca a cor, deve-se mergulhá-lo em água oxigenada, pois ela pode ser, assim, reavivada.

Referências

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